sábado, 14 de agosto de 2010

Faça o teste (em quantos dos quesitos sugeridos você se encaixa?) e descubra se você é PROVINCIANO


Provinciano: estreiteza de espírito resultante da falta de contato com atividades culturais ou intelectuais; uma característica, modo de pensar, etc, próprios de uma província; palavra, expressão ou modo de pronunciar peculiar à uma província; devoção à própria província em detrimento da nação como um todo. 
pt.wiktionary.org/wiki/provincianismo


Se tem algo que eu abomino, são seres provincianos. Normalmente, este termo é usado amplamente e indistintamente aos nativos e residentes de cidades pequenas. Injustiça e ignorância! A tal "estreiteza de espírito"  veste confortavelmente muitas figuras da Avenida Paulista e acadêmicos de prestígio. O contato com as atividades intelectuais não se dá só na leitura dos livros, e nem garante que as pessoas alarguem seus horizontes. Não sei o que torna algumas pessoas tão cerradas à vida! Fiz uma lista de comportamentos que EU considero provincianos. Vejam.....

1. Considerar 40 anos de idade tempo limítrofe para a juventude. Tenho preguiça até de falar a respeito.Alguns vão dizer que estou "legislando em causa própria". Não, não, meus amigos próximos e verdadeiros sabem o que penso sobre idade. Mas com expectativa de vida próxima de 90 anos, ácidos, filtros solares e linhaça dando-nos aparência fresca, que tal tentar concentrar avaliações sobre juventude no campo de comportamentos que renovam? Você tem um comportamento capaz de gerar renovações? E aí, velhinho....
2. Preocupar-se demais com a ortografia nos lábios do alheio. Morte aos caçadores de gerúndio já! 
3. Só andar de carro. Pior, andar de carro e ficar segurando a chave, quando não está no volante, enquanto caminha....
4. Fazer uso apenas dos serviços oferecidos em seu bairro (provincianismo de bairro?). Já falei disso antes, tipo cortar o cabelo com o mesmo cara desde criança ou comer sempre o mesmo sanduba com a turma no mesmo lugar. É bom ter um profissional de confiança, e caso o encontre acho mesmo que deva ser cliente fiel. Aqui refiro-me aqueles seres que ficam no mesmo profissional até quando o cara é ruim. Eu já ouvi de um idiota (não no sentido do Dostoiévski): por que eu iria em outro bairro se tenho tudo aqui? Talvez para gastar as colorias que se concentram na sua cintura ou quem sabe ouvir de um outro barbeiro  que este bigode seu só se usava na década de 70....????? 
5. Aproveitar para falar mal da maioria supostamente inferior e principalmente "ausente", sempre que integra um grupo mais ou menos harmônico que constituiria uma minoria entendida como privilegiada. Como isso me irrita e como eu irrito o grupo quando não me comporto como eles gostariam. 
6. Ter uma vida inteira construída nos conformes do script social vigente sem ter sequer cogitado outros percursos existenciais. Não precisamos conversar com estas pessoas, já sabemos tudo dela, trama básica, só mudam os nomes dos personagens. 
7. Eleger certos alimentos como "comida de bicho", por exemplo, milho é menu de galinhas. Ai, ai...tédio absoluto sinto por este tipo de pessoa. Aliás, aqui poderíamos talvez desdobrar este item para a abrangência do cardápio das pessoas. Quanto mais restrito o repertório alimentar de uma pessoa, mais provinciana ela é. Respeito que tenhamos preferências, e que as privilegiemos no cotidiano, mas é preciso conhecer os sabores que alimentam os povos. 
8. Achar que pessoas sérias usam sapatos fechados.Pudor em exibir os pés fico pra trás no tempo. Faça as unhas, lixe o calcanhar, passe um creme hidratante e ventile os dedos se sentir vontade! Ou deixem que o façam, inclusive juízes! 
9. Relacionar-se mal com as variantes linguísticas das pessoas, rindo, comparando, criticando. Isso era para incrementar positivamente as relações, até que um dia um ser fraco e mau iniciou este comportamento perverso de destacar a diferença no jeito de falar de alguém e pronto, mau hábito provinciano que perdura. Deve ter sido nas cavernas, uga buga igui...hahahahahaha! 
10. Parecer-se demais com quem convive. Vocês já estiveram em grupo em que todas as pessoas usavam o mesmo estilo de sapato, apenas respeitando a diferença de gênero? Sei que conforto e gosto, cada um descobre e define a forma dos seus, mas fico sempre pensando será que todos têm o mesmo gosto? Só eu me sinto engraçada de sapato de bico fino? 
11. Achar vida virtual coisa de psicopata, gente feia e desinteressante ou pedófilo. 
12. Não entender poesia. Isso é uma espécie de doença, sem poesia a pessoa acostuma-se com a aridez. Já viram aquelas pessoas bem simples, que estudaram muitas vezes só até a quarta-série, mas não resistem a uma paineira florida? É dessa poesia que falo: do olhar, dos gestos, das falas espontâneas....

Pra começar tá bom, né? Quem concorda, quem discorda...solte a língua nos comentários! 

Foto Le petit parisien, Willy Ronnis, Paris/1952

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Por favor, dois bilhetes inteiros e um de estudante "Para baixo".


A vida pode ser simples, não pode? Por favor, dois bilhetes inteiros e um de estudante "Para baixo".
Foto "colhida" na Estação de trem desativada no lugarejo de Peirópolis. 

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Trabalhando com vozes. Estas são falas que expressam a voz de uma mãe. Quem aí consegue imaginar as falas com as vozes dos professores?



Menino
Fernando Sabino
Menino, venha pra dentro, olhe o sereno! Vá lavar essa mão. Já escovou os dentes? Tome a bênção a seu pai. Já pra cama! Onde é que aprendeu isso, menino? Coisa mais feia. Tome modos. Hoje você fica sem sobremesa. Onde é que você estava? Agora chega, menino, tenha santa paciência. De quem você gosta mais, do papai ou da mamãe? Isso, assim que eu gosto: menino educado, obediente. Está vendo? É só a gente falar. Desça daí, menino! Me prega cada susto… Pare com isso! Jogue isso fora. Uma boa surra dava jeito nisso. Que é que você andou arranjando? Quem lhe ensinou esses modos? Passe pra dentro. Isso não é gente para ficar andando com você. Avise a seu pai que o jantar está na mesa. Você prometeu, tem que cumprir. Que é que vai ser quando crescer? Não, chega: você já repetiu duas vezes. Por que você está quieto aí? Alguma você está tramando… Não ande descalço, já disse! Vá calçar o sapato. Já tomou o remédio? Tem que comer tudo: você acaba virando um palito. Quantas vezes já lhe disse para não mexer aqui? Esse barulho, menino! Seu pai está dormindo. Pare com essa correria dentro de casa, vá brincar lá fora. Você vai acabar caindo daí. Peça licença a seu pai primeiro. Isso é maneira de responder a sua irmã? Se não fizer , fica de castigo. Segure o garfo direito. Ponha a camisa pra dentro da calça. Fica perguntando, tudo você quer saber! Isso é conversa de gente grande. Depois eu dou. Depois eu deixo. Depois eu levo. Depois eu conto. Depois. Agora deixa seu pai descansar – ele está cansado, trabalhou o dia todo. Você precisa ser muito bonzinho com ele, meu filho. Ele gosta tanto de você. Tudo que ele faz é para seu bem. Olhe aí, vestiu essa roupa agorinha mesmo, já está toda suja. Fez seus deveres? Você vai chegar atrasado. Chora não, filhinho, mamãe está aqui com você. Nosso Senhor não vai deixar doer mais. Quando você for grande, você também vai poder. Já disse que não, e não, e não! Ah, é assim? Pois você vai ver quando seu pai chegar. Não fale de boca cheia. Junte a comida no meio do prato. Por causa disso é preciso gritar? Seja homem. Você ainda é muito pequeno para saber essas coisas. Mamãe tem muito orgulho de você. Cale essa boca! Você precisa cortar esse cabelo. Sorvete não pode, você está resfriado. Não sei como você tem coragem de fazer assim com sua mãe. Se você for comer agora, depois não janta. Assim você se machuca. Deixa de fita. Um menino desse tamanho, que é que os outros vão dizer? Você queria que fizessem o mesmo com você? Continua assim que eu lhe dou umas palmadas. Pensa que a gente tem dinheiro para jogar fora? Tome juízo, menino. Ganhou agora mesmo e já acabou de quebrar. Que é que você vai querer no dia de seus anos? Agora não, que eu tenho o que fazer. Não fique triste, não, depois mamãe dá outro. Você teve saudades de mim? Vou contar só mais uma, está na hora de dormir. Agora dorme, filhinho. Dê um beijo aqui – Papai do Céu lhe abençoe. Este menino, meu Deus.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Para isto vale nascer

Este texto eu tirei daqui. Chorei horrores com o desfecho. Dor na consciência. Servia também para o Jonas, o da bíblia.

Rodando
Adélia Prado

Depois de muita e boa chuva, Célia voltava de Belo Horizonte para sua casa no interior do Estado. Era bom viajar de ônibus, vendo, parecia-lhe que pela primeira vez, o verde rebrotando com força. Ouviu um passageiro falando pra ninguém: que cheiro de mato! Sol farto e os moradores desses conjuntos habitacionais de caixa de papelão e zinco, que brotam como grama à margem das rodovias, aproveitavam pra esquentar o couro rodeados de criança e cachorro. Os deserdados desfilavam, a moça e seu namorado com bota de imitação de peão boiadeiro iam de mãos dadas, com certeza à casa de uma tia da moça, comunicar que pretendiam se casar. Uma avó gorda com seu neto também passou, ela de sombrinha, ele de calcinha comprida de tergal. Iam aonde? Célia fantasiou, ah, com certeza na casa de uma comadre da avó, uma amiga dela de juventude. O menino ia sentir demais a morte daquela avó que lhe pegava na mão de um jeito que nem sua mãe fazia. Desceram três moços de bermuda e camisa do Clube Atlético Mineiro, e um quarto com grande inscrição na camiseta: SÓ CRISTO SALVA! Camiseta e bermuda não favorecem a ninguém, ela pensou desgostosa com a feiúra das roupas. Bermudas principalmente, teria que se ter menos de dez anos pra se usar aquela invenção horrorosa. Teve dó dos moços que só conheciam futebol e dupla sertaneja. Foi um pensamento soberbo, se arrependeu na hora. Tinha preconceitos, lembrou-se de que gostara muito de um jogo de futebol em Londrina, rodeada de palavrões e chup-chup com água de torneira e famílias inteiras se esturricando gozosamente entre pão com molho e adjetivos brutais, prodigiosamente colocados, lindos e surpreendentes como as melhores invenções da poesia. Concluiu sonolenta, o mundo está certo. Uma criança começou a chorar muito alto: quero ficar aqui não, quero sentar com meu pai, quero o meu pai. A mãe parecia muito agoniada e pelo tom do choro Célia achou que ela abafava a boca da criança com uma fralda ou a apertava raivosa contra o peito, envergonhada de ter filha chorona. Suposições. Tudo estava muito bom naquele dia, não sofria com nada, nem ao menos quis ajudar a mãe, botar a menina no colo, estas coisas em que era presta e mestra. Assistia ao mundo, rodava macio tudo, o ônibus, a vida, nem protagonista nem autora, era figurante, nem ao menos fazia o ponto naquele teatro perfeito, era só platéia. Aplaudia, gostando sinceramente de tudo. Contra céu azul e cheiro de mato verde Deus regia o planeta. Estava muito surpresa com a perfeita mecânica do mundo e muitíssimo agradecida por estar vivendo. Foi quando teve o pensamento de que tudo que nasce deve mesmo nascer sem empecilho, mesmo que os nascituros formem hordas e hordas de miseráveis e os governos não saibam mais o que fazer com os sem-teto, os sem-terra, os sem-dentes e as igrejas todas reunidas em concílio esgotem suas teologias sobre caridade discernida e não tenhamos mais tempo de atender à porta a multidão de pedintes. Ainda assim, a vida é maior, o direito de nascer e morar num caixote à beira da estrada. Porque um dia, e pode ser um único dia em sua vida, um deserdado daqueles sai de seu buraco à noite e se maravilha. Chama seu compadre de infortúnio: vem cá, homem, repara se já viu o céu mais estrelado e mais bonito que este! Para isto vale nascer.

Esta maravilha de texto é o primeiro publicado pelo Releituras em 2002.  Feliz Ano Novo para todos. (Extraído do livro "Filandras", Editora Record - Rio de Janeiro, 2001, pág. 119.)