terça-feira, 27 de abril de 2010

Porque,quando tudo parece me faltar,a Liberdade me dá colo.

DINDINHA (Elisa Lucinda, que hoje estará no Teatro Alterosa em Belo Horioznte)

Por causa dela me criei transparente,corri risco, briguei com grandes e defendi inocentes.Agitei bastante, por ela,as porções de ingredientes do conhecimento antes de usar.Por ela, e em sua confiança, me lancei na estrada nebulosae definida do sonho;estrada que só a esperança constróicom inquebráveis invisíveis estruturas.E fui de costas, de quatro, de peito e de frente para o tal sonho.
Desde pequena gostava de admirar o crepúsculo.— Mesmo antes de haver em meu repertórioa palavra crepúsculo —Gostava de reparar na boniteza das pessoase de descobrir muita variedade de beleza nelas;nas vitrines, nas casas, nas flores, nas roupas, nas tardes,e usava dela para exclamar, em alto e bom som,meu contentamento com o mundo,meu descontentamento com o mesmo mundo,meu espanto com suas novidades diáriase seus bordéis de cores em tudo.Por irmandade com ela topei viagens,fiz trocadilhos na alta filosofia do bom humore ainda preservei a doce inquietudecom suspensesde boas vésperas no peitinho sonhador.Por causa dela fui suspensa do colégio,apanhei urna vez de meu pai,namorei escondido,levei profundos beliscões de minha avó,brinquei de carrinho de rolimã, de boneca,soltei pipa e desobedeci.Por acreditar nela me casei amando,tive filho querendo, me separei, mudei de estado,de profissão, viajei,me vesti como se fosse carnaval para uso diário, me expus,falei coisa simples que todo mundo vive mas finge que não.Pulei muros, regras, fiz bainhas cada vez mais pra cima nasminhas saias.Por causa dela lapidei dores,engoli uns sapos, cuspi rãs, recusei sorrindo e de bom gradopropinas, mordomias e cargos, piscinas e conchavos.Por ela fiz amigos livres e originais,iguais a todo mundo eao mesmo tempo não parecidos com ninguém.Agarrada firme à sua mãocriei neologismos, inventei atitude, expressão e moda.Por ir fundo nelapintei o sete, fiquei de castigo por fazer artee saí do castigo pela mesma arte.Em seu nome tratei crianças como senhores, escritores,repentistas, sábios e mentores, criei filho com alegria,respeito, com sim e não mas sem opressão.Cantei alto nas ruas urbanas sobre as bicicletas,assobiei alto dentro dos coletivos, testando a afinação do bico.Por causa dela me espelhei nos passarinhos,me repararam muitoe fui chamada de maluca molecairresponsável irrotulável puta pagã e poeta.Por causa dela passei noites procurando o amor,errando e acertando versos de amor,e por causa dela o amor me encontrou.Com ela desfrutei de bonanças,compreendi e aceitei temporais.Com ela dei música à minha voz,fôlego aos meus princípios,inícios aos meus finais.Mas foi exatamente ela quem me ensinou a seguir,enrolada como meus cabelos,resoluta como o vento,límpida como a estrada que eu via e vejo,clara como as palavras que digo e escrevo,frágil e forte como meus desejos.Pois, de joelhos estou por ela,voando estou com ela,grata que sou a ela.
Porque,quando tudo parece me faltar,a Liberdade me dá colo.


Gostaria que o Saviola me visse assim!

Um comentário:

Ana Bossler disse...

Lindo! Lindo! Não vejo a hora da Virgínia nascer ...