Prestes a concluir minha tese, cuja órbita inclui inúmeras paragens no planetinha ordinário “Razão X Emoção”, assombra-me ver-me arrastada para uma discussão sobre este tema. Como ainda tendemos ao pensamento dicotômico! Escolhi estudar a emoção sob uma perspectiva discursiva, o que poupa-me das pendengas entre filósofos, neurobiólogos, evolucionistas, educadores e chatos-de-plantão.
Para a análise do discurso a emoção não é apenas uma das faces de uma moeda na qual a razão também apareceria, mas a emoção é fundante da racionalidade, são amalgamadas. Em Portugal, a análise do discurso é vista como novidade e muitas vezes interpretada de uma maneira que a faz parecer mais uma sessão de análise*. Aqui o nome de Péuchex (fundador de uma das linhas discursivas) é desconhecido** como também o é Amit Goswami***, independente da aceitação da comunidade científica. Para quem não sabe, a análise do discurso não é fazer uma análise de um discurso, de um texto. Ela vai além do que é dito, fazendo emergir os sentidos pré-construídos que são ecos da memória do dizer. Por memória do dizer entende-se a memória coletiva de constituição social. Isso porque embora o sujeito tenha a ilusão de ser autor do seu discurso e de ter sobre ele controle e autonomia, encontra-se de fato engendrado em um contínuo, visto que todo discurso já foi dito antes por outrem. Logo,você sempre fala com as palavras dos outros. E é aí que a porquinha torce o rabo, pois cada um de nós não é único no sentido de que encontra-se assujeitado ao coletivo. Através da análise reconhecemos as vozes desses muitos autores que compõe a fala de cada um de nós, e os grupos aos quais pertencem. Quando definimos o que é ciência (ou o que não é ciência) fazemos uso dessas vozes. Essas vozes parecem esclarecer tudo, deixar tudo definitivamente no lugar “certo”, trazer paz para o caos. O que me deixa triste, e digo isso do ponto de vista de quem sempre sonhou alto para nossa espécie, é o fato da ciência usar “o que sempre fez” como forma de legitimar “o que anda fazendo”. A evidência que a ciência funciona é a existência da própria ciência, mesmo que inúmeras vozes (aquelas que nos contariam outras versões dos fatos) sejam excluídas do discurso. Eu não saberia dizer como mudar, por exemplo, o fato da emoção não aparecer na fala dos cientistas. Eles não podem convocar essa voz sob o risco de perderem a credibilidade. Também não aparece na fala do professor. Só professor de cursinho pode ser “engraçadinho”. Na verdade estes elementos são imposições do contrato discursivo, que ninguém discute, mas todos obedecemos, para garantir a comunicabilidade. Gostaria que minha tese ajudasse a rever as cláusulas desses contratos. De qualquer forma, sinto mesmo é vontade de silenciar. Mas para a análise do discurso o “silêncio” também comunica algo, e eu só queria mesmo livrar-me disso.
*Como por vezes acontece também no Brasil
**Seus principais títulos não existem na biblioteca de Lisboa
***Gerador de controvérsias do post anterior
Um comentário:
vc podia ter colocado a mágica do nariz...né?
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